Judicialização da vida: quando tudo vai parar no tribunal

Poucos países recorrem tanto ao Judiciário quanto o Brasil. São milhões de processos em tramitação, cobrindo desde grandes disputas empresariais até questões do cotidiano, como cobrança de pequenas dívidas, conflitos de vizinhança e acesso a medicamentos. Esse fenômeno, conhecido como judicialização, é sintoma de uma sociedade que enxerga no tribunal a última — e muitas vezes a única — forma de resolver seus problemas. Mas será que isso é sustentável?

Em parte, a judicialização decorre de algo positivo: a Constituição de 1988 ampliou direitos e abriu espaço para que cidadãos pudessem exigir seu cumprimento. Foi um avanço civilizatório. O problema é que, sem políticas públicas eficientes e com instituições administrativas frágeis, o Judiciário passou a ser chamado para decidir praticamente tudo. Questões de saúde, educação, previdência e até escolhas orçamentárias acabam transferidas para juízes, que nem sempre têm condições ou legitimidade para substituir o papel do Executivo e do Legislativo.

Outro fator é a cultura de litígio. Em vez de buscar acordos ou soluções extrajudiciais, muitos preferem recorrer à Justiça, acreditando que uma sentença trará resposta mais rápida ou definitiva. Na prática, isso gera sobrecarga, lentidão e custos elevados. O paradoxo é claro: quanto mais processos, menos efetividade no direito.

A judicialização excessiva também traz riscos institucionais. Ao assumir funções que deveriam ser exercidas por outros poderes, o Judiciário se expõe a críticas e perde parte de sua neutralidade. Decisões sobre políticas públicas, por exemplo, podem gerar a impressão de que juízes estão legislando. Isso desgasta a confiança da população e coloca em xeque o equilíbrio entre os poderes.

Isso não significa que a judicialização deva ser vista apenas como problema. Em muitos casos, ela é a única saída possível para garantir direitos fundamentais. O acesso a medicamentos de alto custo ou o direito à matrícula em escolas, por exemplo, só se concretizaram para milhares de brasileiros graças à atuação da Justiça. O desafio é equilibrar a balança: preservar o papel protetivo do Judiciário sem transformá-lo em substituto dos demais poderes.

Caminhos alternativos existem. Investir em mediação e conciliação, fortalecer órgãos de defesa do consumidor, aprimorar políticas públicas e simplificar processos administrativos são medidas que reduzem a necessidade de levar tudo ao tribunal. Ao mesmo tempo, é preciso mudar a mentalidade coletiva, mostrando que nem todo conflito precisa terminar em sentença.

A judicialização da vida é reflexo de um país que busca no direito a solução para desigualdades e ineficiências históricas. Mas, se não aprendermos a diversificar os instrumentos de resolução de conflitos e a cobrar resultados também fora da esfera judicial, corremos o risco de transformar o Judiciário em uma instituição sobrecarregada, lenta e desacreditada.

No fim, é preciso lembrar: Justiça não se faz apenas com processos. Justiça se faz com políticas públicas eficientes, instituições confiáveis e uma cultura de diálogo. Enquanto tudo continuar parando no tribunal, estaremos apenas transferindo problemas, não resolvendo-os.

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