Acesso à Justiça: mais do que tribunais abertos

O conceito de acesso à Justiça é frequentemente associado à ideia de tribunais abertos e juízes disponíveis para julgar. Mas essa visão é simplista. Garantir que cidadãos possam exercer plenamente seus direitos não se resume à existência formal do Judiciário. Acesso real exige que o sistema seja compreensível, financeiramente viável e adaptado à realidade social e tecnológica do país.

Um dos principais obstáculos é o custo. Embora a Constituição assegure a gratuidade da Justiça para quem não pode pagar, na prática, honorários advocatícios, perícias e custas processuais ainda afastam grande parte da população. Além disso, a lentidão processual transforma o direito em promessa distante. Quando uma causa demora anos para ser decidida, mesmo a vitória judicial pode perder sentido. Nesse cenário, acesso à Justiça não é apenas poder entrar com uma ação, mas obter uma solução em tempo razoável e com custos proporcionais.

Outro ponto essencial é a linguagem. Processos são escritos em juridiquês, uma linguagem técnica que exclui a maioria das pessoas. Cidadãos comuns têm dificuldade em entender petições, sentenças e até mesmo intimações. Essa barreira cultural mina a legitimidade do sistema, porque um direito que não é compreendido não é efetivamente exercido. Iniciativas de simplificação de linguagem, uso de recursos visuais e plataformas digitais amigáveis não são luxos: são condições básicas para que a Justiça seja acessível.

A tecnologia, nesse contexto, é oportunidade e desafio. O processo eletrônico trouxe agilidade, mas também criou exclusão para quem não tem acesso à internet de qualidade ou habilidades digitais. Tribunais que digitalizam serviços sem investir em inclusão acabam reforçando desigualdades. O acesso à Justiça no século XXI passa por políticas públicas que assegurem conectividade, capacitação e atendimento híbrido, combinando meios digitais e presenciais.

Há também a dimensão preventiva. Acesso à Justiça não significa apenas recorrer ao Judiciário quando um direito é violado, mas dispor de meios para evitar que o conflito se torne litígio. Serviços de orientação jurídica gratuita, defensoria pública fortalecida e programas de mediação comunitária ampliam a capacidade do cidadão de resolver questões antes que elas explodam em processos. Essa visão preventiva alivia os tribunais e gera soluções mais rápidas e adequadas.

Outro aspecto importante é a confiança. Muitas pessoas deixam de buscar seus direitos porque não acreditam no sistema. Corrupção, favorecimento ou decisões contraditórias geram descrença. Fortalecer a transparência processual, abrir dados e permitir maior fiscalização social são medidas indispensáveis para recuperar a legitimidade da Justiça.

O acesso pleno é, portanto, multidimensional. Ele depende de recursos econômicos, linguagem clara, tecnologia inclusiva, mecanismos de prevenção e confiança institucional. Quando qualquer um desses elementos falha, cria-se exclusão. E a exclusão, nesse campo, significa deixar cidadãos desprotegidos, à margem de direitos que existem apenas no papel.

Mais do que tribunais abertos, o acesso à Justiça deve ser entendido como a capacidade concreta de cada pessoa de defender seus direitos de forma compreensível, rápida e justa. É essa concepção ampliada que deve guiar políticas públicas e reformas institucionais. Só assim poderemos falar em Justiça como um direito de todos, e não privilégio de poucos.

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